Passeio Socrático

>> segunda-feira, 30 de maio de 2011

Hoje li uma entrevista da Cissa Guimarães na revista Cláudia, onde ela, além de outras coisas, diz o seguinte:

"Respeito meu dinheiro. Não vou a shopping, não sou uma fashion victim. Acho ridículo andar igual a todo mundo. Para mim, tanto faz uma bolsa Hermès ou de feira."

Abrindo meus e-mails encontrei esse que uma amiga de muito tempo me enviou.
Além de engraçado achei muito verdadeiro, então estou repassando pra vocês lerem.
Espero que gostem como eu gostei.

ANÁLISE SOCRÁTICA DOS TEMPOS ATUAIS

Frei Betto


"Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: "Não foi à aula?" Ela respondeu: "Não, tenho aula à tarde". Comemorei: "Que bom; então, de manhã, você pode brincar, dormir até mais tarde". "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã..." "Que tanta coisa?", perguntei. "Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando: "Que pena", a Daniela não disse: "Tenho aula de meditação!"
Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito.
Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como estava o defunto?". "Olha uma maravilha, não tinha uma celulite!" Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
A palavra hoje é "entretenimento"; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: "Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!" O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.
Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: "Estou apenas fazendo um passeio socrático." Diante de seus olhares espantados, explico: "Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:"

—"Estou apenas observando quanta coisa existe de que NÃO preciso para ser feliz!"


beijos

4 comentários:

Anônimo 30 de maio de 2011 às 18:07  

Que legal, Macá. Até lembrei de uma coisa: quando meus filhos eram adolescentes eu colei esse texto na porta do armário deles. Vou mandar o link pra ver se eles ainda lembram. Eu amo esse texto. Sempre atual. Valeu!!!

Ah, mas essa da Cissa e a bolsa de feira? Me engana que eu gosto! Rsrsrs
Bjsssssssssss

Nilce 31 de maio de 2011 às 01:21  

Oi Macá

A felicidade está na simplicidade, que muitas vezes não vemos por nos preocupar tanto com o complexo.
Texto perfeito!

Bjs no coração!

Nilce

Palavras Vagabundas 31 de maio de 2011 às 11:45  

Macá,
todo dia eu descubro alguma coisa que NÃO preciso para ser feliz e acho tão bom.
bjs
Jussara

Celina Dutra 31 de maio de 2011 às 22:49  

Macá,

Não é engraçado...é trágico!rs

Ah! Como é bom viver do jeitinho que a gente gosta! Sem se importar com a tirania do julgamento de terceiros, sem se sujeitar a modismos. Como faz bem atingir o nirvana por meio da foto de uma flor, da poesia, da frase que ilumina, do som que arrebata a alma.

Beijo com carinho

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