Relacionamentos

>> terça-feira, 28 de setembro de 2010

Relacionamento Tênis e Frescobol 
Rubem Alves


Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: há os casamentos do tipo Tênis e há os casamentos do tipo Frescobol.

Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam mal.
 Os casamentos do tipo Frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me.
Para começar, uma afirmação de Nietzche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: "Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
- "Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?"
Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.

Sherezade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme O Império dos Sentidos. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, Sherezade o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras.

E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes. Fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo:
"Eu te amo". Barthes advertia: "Passada a primeira confissão, eu te amo não quer dizer mais nada". É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.
Recordo a sabedoria de Adélia Prado: "Erótica é a alma".

Tênis é um jogo feroz. O objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: O outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada. Palavra muito sugestiva - que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
Frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra. O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos...
A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá....
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão.. O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.

O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres ao vento. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha, para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...
beijos

16 comentários:

Beth/Lilás 28 de setembro de 2010 às 21:55  

Oi, Macá!
Eu adooooooro Rubem Alves!
Ele fala coisas muito certas e ligadas às nossas atuais realidades.
Nunca tinha imagino este parâmetro de amor e frescobol e gostei muito.
beijos cariocas

Unknown 28 de setembro de 2010 às 22:21  

Boa noite Macá,

Adorei o texto de Rubem Alves. Belíssima comparação de relacionamentos tênis e frecobol.

Beijos,

Nilce 29 de setembro de 2010 às 00:01  

Oi, Macá.

Este texto é muito real e com as ilustrações ficou espetacular.
Gostei muito mesmo.

Bjs no coração!

Nilce

Maria Santos 29 de setembro de 2010 às 01:18  

Oi Macá..adorei o texto...ótima comparação.
bjs

Bordados e Retalhos 29 de setembro de 2010 às 09:35  

Estou encantada com esse texto PRIMOROSO. Querida, vou ficar tão feliz se vc participar da minha brincadeira. Macá acredito que vc tenha sido um bebê lindo. Bjs

Leci Irene 29 de setembro de 2010 às 10:09  

Menina.... estou copiando o texto. Isto é, vou enviar para a meu e-mail e passar adiante. E sentar... e ler... e meditar...

Astrid Annabelle 29 de setembro de 2010 às 12:30  

Olá Macá!
Este texto é demais. Tenho ele publicado no meu blog o meio dos posts mais antigos.
Sempre é muito bom refletir ao ler um texto desses!
Gostei de reler!
Um beijo grande
Astrid Annabelle

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:36  

Beth
Eu também gosto muito. Sempre quando vejo alguma coisa dele, guardo, porque sempre tem um dia que a gente pode querer ler novamente não é?
um beijo

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:37  


A comparação é muito boa mesmo. Também gostei.
um beijo

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:38  

Nilce, Nika
Também acho esse texto muito verdadeiro e bem real.
beijos pra vocês

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:43  

Giovanna
obrigada, mas não sei não. Meu marido olha umas fotos minhas da adolescência, e diz que gosta mais hoje kkkkkkkkkkkkk
Mas, se eu conseguir a foto, vou participar sim. Já falei que adorei a brincadeira.
beijos

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:44  

Leci
È bom mesmo de vez quando pararmos pra pensar. E o texto dele é bom pra isso.
Que bom que gostou.
um beijo

Macá 29 de setembro de 2010 às 14:56  

Astrid
Pra falar a verdade, eu já tinha lido no seu blog, mas como eu quero guardar, e nada como guardar no nosso livro de memórias, postei também.
O texto é muito bonito não é?
um beijo

Unknown 29 de setembro de 2010 às 15:09  

"Para se ver seja o que for não basta que isso seja possível mas que ele se integre dentro da nossa óptica. Porque conhecer é relacionar e o que se não relaciona só existe por si, ou seja, não existe."

Abraço.

Lúcia Soares 29 de setembro de 2010 às 16:50  

Macá, de certo sou frescobol. Não gosto de competições, pois aí só queria ganhar, claro! rsrsr
Mas eu e marido nos entendemos bem, ele na dele, caladão, e eu na minha, sempre insatisfeita. Mas acho que é com ele mesmo que posso contar, está comigo para o que precisar. Só ando meio desanimada e ele é meu "bode expiatório". Mas o papo seria loooongooo demais pra ser tratado em poucas linhas.
Beijo!

@Flafli 29 de setembro de 2010 às 22:17  

Oi Macá! Não conhecia Rubem Alves, obrigada por me apresentar.

Converso muito com meu marido... passamos noites filosofando e tentando entender atitudes e escolhas... e ao contrário de muitos, o Tiago gosta de uma DR. Às vezes é ele mesmo quem começa! rs...

Agradeço também a visita ao meu blog e as indicações de blogueiras tão interessantes de se visitar quanto você.

Beijo!

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