Blogagem Coletiva - Sentimentos e Emoções - Orgulho

>> sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Naquele dia de manhã a estradinha estava muito ruim e ele a pé, escorregava toda hora. Tinha chovido muito durante a noite e, por um pequeno momento, ele até pensou em não levantar para ir pra escola; mas rapidamente esse pensamento passou, ele levantou, tomou seu café que a mãe já tinha preparado, pediu a benção e foi.

Todo dia era a mesma coisa. A escola ficava na fazenda ao lado dessa onde seus pais trabalhavam – seu pai na lavoura e sua mãe na casa dos patrões – mas mesmo assim era uma boa caminhada.

Além dos pais trabalhavam na lavoura seus dois irmãos mais velhos. Tinham estudado até o 4º ano primário e depois largaram para ajudar os pais. Não fizeram muita questão também de continuar os estudos. O que sabiam já tava bom.
Ele não, não queria isso. Estava com 10 anos e indo para o 5º ano, e não queria parar. Adorava ler e estudar. Sempre que voltava, almoçava, ajudava a mãe com alguns serviços e depois ia estudar.
O problema era não ter com quem estudar. Seus pais não tinham tempo e mesmo que tivessem não iam entender. Os irmãos não queriam saber, então ele estudava sozinho ou senão ia para a casa dos patrões e tentava fazer alguns exercícios com a Dona Nina, afinal tinha sido ela a causadora de tudo isso. Um dia, quando ele ainda era pequeno – devia ter uns 3 anos – ela lhe trouxe um livrinho de história que tinha comprado numa viagem para a cidade, e ele se encantou.
Ia com o livro pra todo lugar. Ela, que também gostava muito de ler, tinha lido a historinha pra ele, e daí toda vez que ele a via, queria que ela lhe contasse de novo. E assim foi pegando gosto e ela vendo que ele gostava, passou a comprar um livrinho novo, sempre que ia à cidade. Quando ele cresceu mais um pouco, ela começou a lhe ensinar os números e rapidamente ele foi aprendendo a fazer continhas.
Os pais gostavam de ver a rapidez com que ele aprendia, só tinham um pouco de medo, pois se ele continuasse assim, provavelmente um dia ia querer ir embora da fazenda para a cidade.
Os patrões eram gente muito boa. Ricos, estudados, tinham morado na cidade de São Paulo até os 2 filhos terminarem o ginásio, quando resolveram morar na fazenda definitivamente. Mas eram pessoas simples, dessas de gostar de sentar na varanda pra uma prosa. Tinham orgulho do que tinham conseguido na vida, e mais orgulho ainda dos filhos, que tinham começado a trabalhar na pequena fábrica do pai ainda jovens e a tinham transformado numa grande indústria. O pai – Seu Raul – não se cansava de dizer maravilhas sobre os meninos. Meninos esses que ficaram na casa de um tio na capital, quando os pais resolveram se mudar pra fazenda.Um dos filhos já tinha se casado e tinha uma filhinha que se chamava Manuela e um garotinho de nome Bernardo. O outro, embora os pais lhe dissessem que já tinha passado da hora, ainda não queria saber de outro compromisso que não fosse o trabalho.
Mas....... o tempo foi passando, ele estava no último ano do ginásio e já pensava em como ia fazer para continuar os estudos. Sabia que teria que ir para a capital, mas como?
Numa tarde ele foi lá na casa dos patrões dar um recado pra mãe, e encontrou a D.Nina. Ela perguntou, como sempre fazia, se ele ia indo bem na escola. Ficaram conversando e ela mesmo falou sobre o que estava pensando em fazer no próximo ano, só que precisava ver se seus pais iriam aprovar. Ele perguntou ansioso o que era e então ela explicou.
O irmão de seu marido morava em São Paulo com a mulher – a mesma casa onde seus filhos ficaram pra estudar – os filhos já não moravam mais com eles, então ele poderia ir pra lá para continuar os estudos. Trabalharia na casa num período e no outro iria para a escola.
Ele ficou muito feliz com a idéia, era tudo o que queria, e só queria contar para os pais.
Na mesma noite enquanto estavam todos reunidos no horário do jantar, contou e esperou ansioso pela resposta. Os pais ficaram em silêncio, olhando um para o outro, para os outros dois e quietos.
Ele não queria desrespeitar os pais, mas sabia que caso eles dissessem não, teria que enfrentá-los.
Mas...... eles continuavam quietos, até que a mãe começou a soluçar e correu para abraçá-lo e o pai com os olhos marejados lhe disse que, se esse era o seu gosto, e se a patroa tinha dito que ele teria uma casa para morar, então que tudo bem, eles iriam deixar.
Ele quase nem dormiu. Na sua inocência, fazia planos e começou a pensar como seria essa capital. A patroa falava que era uma cidade muito grande e ele já tinha estudado um pouco, mas grande seria o quê? Quanto grande? A distância entre um lugar e outro seria maior do que a distância entre a fazenda que morava e a que estudava?
Não importava, ele iria.
No começo do ano seguinte, os patrões foram levá-lo para a capital. Não queria chorar ao se despedir dos pais e dos irmãos – afinal, homem não chora – mas não agüentou. Sabia que ia sentir muita saudade deles, das frutas frescas que o pai sempre trazia, do bolo de fubá que a mãe fazia, e principalmente do calor do fogão de lenha nas noites de frio. Abraçou a todos e chorou, prometendo ir bem na escola e voltar com um diploma. Pediu a benção e foi.
Chorou ainda um bom tempo na estrada e D. Nina deixou. Era a primeira vez que ficava longe de todos.
Depois começou a conversar com ele, a mostrar alguma coisa na estrada e ele foi se acalmando. Era o que ela queria pois ainda tinha que contar uma coisa pra ele, e essa coisa não era lá muito boa.
Era sobre seu cunhado, o irmão de seu marido. Enquanto o seu Raul era um homem que gostava de conversar, e conversava com a mulher, com os empregados da casa, com os lavradores, com as crianças e até com os bichos e com as flores, o irmão dele da cidade era muito diferente.
Era arrogante, muito orgulhoso, tratava mal os empregados e não conversava com ninguém que não fosse um dos seus.
É, o garoto ia estranhar.
A mulher dele, Dona Alice, não. Era uma pessoa bondosa e que sofria com o temperamento do marido e estava aguardando a vinda do garoto. O marido não falava nada, afinal, não iam nem se encontrar, pensava ele.
Eles chegaram na cidade e o menino olhava tudo aquilo com a mais pura emoção. Não sabia por onde começar a olhar. Queria ver tudo. Os carros, ônibus, muita gente na rua. Estava assustado mas ao mesmo tempo encantado.

Chegaram na casa, tomaram lanche, ele conheceu seu quarto que ficava ao lado do quarto da empregada e dias depois passou a freqüentar a escola onde já estava matriculado.
Nos primeiros dias o motorista o levou de carro, depois o ensinou a tomar o ônibus e rapidamente ele se acostumou. Na escola fez amigos, e na casa gostava de todos. Só tinha assim, uma reserva com o dono da casa, com quem tinha conversado uma única vez, porque das outras, ele passava e fingia ignorar a presença do estranho.
O tempo foi passando, ele sentia saudades da família, mas estava adorando morar na cidade. Matava a saudade nas férias, quando ia pra lá visitá-los, mas dias depois já sentia falta da cidade que borbulhava vida.
Terminou o colégio ao mesmo tempo que passou no vestibular. Passou em Administração na USP, e já pensava em começar a trabalhar.
Um dia a Dona Alice, vendo como o garoto era bom nos estudos – tão diferente de seus filhos que tinham se formado depois de muito custo em faculdade particular – falou com o marido se não poderia ver um lugar para ele na empresa, coisa que nenhum dos filhos quis saber. Ele não gostou muito da idéia, mas disse que ia pensar no assunto e uns dias depois falou pra ela que enviasse o garoto – não, rapaz, lá pra a empresa.
Feliz da vida ele foi. Deram-lhe um serviço burocrático pra fazer, mas ele se saiu tão bem que logo deram outro e ele sempre dando conta. E assim foi. Ia pra faculdade, depois para o trabalho, sempre aprendendo, sempre querendo mais.
Um dia, no 3º ano da faculdade, perguntou ao seu chefe se poderia participar de uma reunião. O chefe quis saber o porquê e ele disse que tinha algo para apresentar.
O chefe meio indeciso disse que ia ver, mas no dia, lá estava ele na porta só aguardando para entrar. O patrão chegou, passou por ele, voltou e perguntou o que ele estava fazendo ali, e ele respondeu que se tivesse oportunidade, queria apresentar um estudo na reunião.
Foi então convidado a participar e depois que todos falaram, ele pediu licença para mostrar um estudo que tinha feito, nos últimos 2 anos.
Quando terminou, estavam todos boquiabertos. Aquilo era coisa de profissional, e se fosse implantado, a empresa começaria a gerar um lucro 2 vezes maior do que estava sendo apresentado.
Foi aplaudido por todos. Agradecido, já ia saindo quando o chefe lhe pediu para ficar.
Pela primeira vez olhou pra ele como gente, como ser humano, como indivíduo, como pessoa.
E, sem dizer nada, deu-lhe um abraço forte, como a lhe pedir desculpas pelo tempo que deixou de desfrutar de sua companhia, de seu conhecimento, e passou a sentir orgulho daquele rapaz praticamente desconhecido, coisa que não podia sentir dos filhos.
No dia seguinte, ao chegar para o trabalho encontrou na porta da sua sala, uma placa com a palavra Diretor, e sentiu que esse era apenas o primeiro, de muitos cargos superiores que viria a assumir naquela empresa.

Agradeceu a Deus, aos seus pais, ao seu Raul, a Dona Nina e a Dona Alice, mas também ao seu patrão, por ter reconhecido nele o grande empresário que viria a ser.
E sorriu imaginando o orgulho que seus pais teriam dele assim que lhes contasse a boa notícia.

beijos

Essa postagem faz parte da Blogagem Coletiva - Sentimentos e Emoções, proposta pela Glorinha do blog Café com Bolo. Hoje falamos sobre Orgulho.

21 comentários:

Unknown 10 de setembro de 2010 às 01:26  

Nossa Macá, que lindo...fiquei emocionada e orgulhosa de participar desta blogagem coletiva.

Beijos de boa noite,

Unknown 10 de setembro de 2010 às 07:58  

Macá,

Adorei o conto e sobretudo a forma como você conseguiu que o 'orgulhoso' não fosse o personagem principal. Isso deu um elan à história.

Bela participação.

Abraço

António

Leci Irene 10 de setembro de 2010 às 08:58  

Macá, linda história!!!!! Verdadeira???
Parabéns, vc tem um jeito lindo de contar.
Beijos

Deia 10 de setembro de 2010 às 09:10  

Oi Macá. A história de hoje é de encher a gente de orgulho. E de lágrimas nos olhos também! Gosto muito dos seus contos, é engraçado como ao longo dessa blogagem já criamos uma expectativa com relação ao texto que encontraremos nos blogs que visitamos. E o seu é garantia de uma excelente leitura. Um beijo, Deia.

Isadora 10 de setembro de 2010 às 09:17  

Macá, mais uma linda história que com que você nos presenteia. Uma história que pode muito bem ser verdade.
Perseverança é o nome do rapaz. E é para termos orgulho mesmo. Ainda que diante de tantas adversidades, foi pesistente e ganhou por mérito seu lugar ao sol.
Um beijo

Cris França 10 de setembro de 2010 às 09:42  

Macá, isso é crescimento e retorno a gente fica feliz em ser quem é e vencer. bjs

Tati 10 de setembro de 2010 às 09:42  

Macá, tem certeza que você quer continuar nos bastidores da escrita? A cada dia melhor... A gente lê sofregamente, aguardando o desenrolar da história, vibra e sofre com seus personagens!
muito bom!!!!
Beijos.

chica 10 de setembro de 2010 às 10:06  

Lindo e emocionante,Macá!Bela participação!beijos,chica

Astrid Annabelle 10 de setembro de 2010 às 12:59  

Macá!
Que gostoso de ler..emocionante!
Armou uma trama perfeita...vamos lendo com pressa de conhecer o próximo passo!
Gostei muito amiga!
Beijo grande.
Astrid Annabelle

Bordados e Retalhos 10 de setembro de 2010 às 13:44  

Fiquei me deliciando com cada palavra com cada parágrqafo. Lindo demais, História de superação e orgulho. Bjs

Liza Souza 10 de setembro de 2010 às 14:23  

Macá, que texto lindo e como sempre voce consegue prender a atencao de quem passa por aqui e a gente fica super ansioso com o final da história. Adorei!
Beijos

Lúcia Soares 10 de setembro de 2010 às 14:51  

Macá, acho que não é ficção...Deve fazer parte da sua vida.
A história é linda.
A superação do menino do interior;
sua lição de humildade;
a generosidade das pessoas que o acolheram;
o homem pretensamente orgulhoso, mas que no fundo devia apenas ser triste, por não ter tido respostas dos filhos;
a sábia mulher que viu nele um homem de futuro;
os pais, igualmente sábios e desprendidos, que o "soltaram" para a vida...
Uma história que dá orgulho a todos os personagens.
Beijo!

Manuela Freitas 10 de setembro de 2010 às 14:59  

OLá Macá,
Gostei bastante do seu conto, vc escreve realmente muito bem. Parabéns:
Beijo,
Manú

orvalho do ceu 10 de setembro de 2010 às 16:26  

Olá, querida Macá
Muito linda a sua história, deu gosto de lê-la!
Obrigada pela linda partilha de resiliência duma alma que acreditou em si e nos demais.
Um grande abraço fraterno de paz.

Glorinha L de Lion 10 de setembro de 2010 às 19:55  

Macá minha amiga, tenho um orgulho danado de bom de ser sua amiga! E tu, contas uma estória como ninguém. Acho que devia pensar seriamente no assunto. bjs

Maria Santos 10 de setembro de 2010 às 22:06  

Macá que história linda!!!! Vc escreve bem demais meu Deus agente se delícia com o texto parábens, história de superação, de vontade de aprender, de se superar...Maravilhosa história parábens..
bjs..

Beth/Lilás 11 de setembro de 2010 às 00:11  

Oi, Macá!
Menina, você é mais uma das boas escritoras que tem que ganhar espaço neste cenário literário!
Demais seu conto, adorei!
beijos cariocas

Mônica - Sacerdotisa da Deusa 11 de setembro de 2010 às 03:00  

Oi flor, que lindo texto! Realmente tocante!
Muito obrigada pela sua visita, seja sempre bem vinda.
Beijinhos.

Flores e Luz.

Cynthia Totus Tuus Mariae 11 de setembro de 2010 às 12:32  

Que lindo Macá!!!
Achei o texto emocionante, leve e cheio de significado!
Simplesmente belíssimo!
Um bjo
Cynthia

Socorro Melo 11 de setembro de 2010 às 14:07  

Macá,

Fiquei emocionada com essa história, pois, admiro demais as pessoas que partem do zero e conquistam seu lugar ao sol. Isso sim é motivo de orgulho.

Beijos
Socorro Melo

Nilce 11 de setembro de 2010 às 20:25  

Sensacional, Macá!

Estou aqui vivenciando tudo isso, com olhos marejados.
Você conseguiu nos mostrar e muito bem, os dois lados do orgulho, e eu tenho muito orgulho de você.
Parabéns, querida!

Bjs no coração!

Nilce

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