E a mãe ficou velhinha

>> terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

E de repente, veio a saudade. 
Bastou ler um trechinho da crônica e meus olhos se voltaram lá pra trás, onde ela estava sempre com pó de arroz no rosto, um colar, seu brinquinho de ouro que ela gostava de exibir, e sempre pronta para um passeio.
Ela nunca caiu, embora ficasse "meio zonza", como dizia. 
Gostava quando os filhos estavam todos reunidos e quando ia a uma festa e podia dançar com um deles. E os dois mais novos - pé de valsa - estavam sempre lá pra fazer sua vontade.
Mãe, estou com saudades do colo, das coisas que eu não disse, dos presentes que não comprei, mas tento seguir o que me ensinou na educação do meu filho, e sempre peço para que esteja bem, junto ao meu pai e ao meu irmão. 

* * * * *
Dá aflição saber que a mãe,
sempre tão firme em sua
marcha, agora precisa
caminhar com mais calma.
* * * * *

JÁ VINHA botando reparo havia algum tempo: cada vez mais cedo ela dormia durante nossas sessões de cinema em casa ­-até no filme do Marley, o labrador arteiro que ela amava, foi assim.
     Começou a faltar a ela aquela força de sempre para me dar uma empurradinha pelas calçadas esburacadas. Ganhou um desequilíbrio do nada e uma saudade de tudo. Mamãe envelheceu.
     Dá uma certa aflição, não vou fazer rodeios para admitir, saber que a mãe, sempre tão firme em sua marcha aplicada com um sapato baixinho e confortável, que buscava o sustento, o futuro e a felicidade dos filhos, agora precisa caminhar com mais calma e cuidado.
     Meu coração ficou como no momento do samba derradeiro, dias atrás, quando entrou pelo corredor do restaurante uma senhorinha esbaforida, com a mão machucada, semblante de susto e passinhos de quem havia passado maus bocados. E havia passado. Caiu no meio da rua. Estava entre a aflição da dor e a carência de algum aconchego.
     E se a minha mãe, agora velhinha, desabasse em um algum ermo de mundo também? Será que a acolheriam com a atenção e a presteza que a mãe da gente tem o direito de receber? E se ela ficasse meio descompensada e não soubesse nem em que planeta estava?
     O almoço perdeu a graça e eu só pensava nas feridas da senhorinha, que foi gentilmente atendida com cuidados orientais das mãos da dona do boteco, uma "japa" sorridente. Sosseguei quando ela garantiu que estava tudo bem e que cuidaria da velhinha.
     Mãe não tem dor de cabeça, não tem fome, não tem preguiça de fazer mingau, não tem medo de barata, não tem limite no cartão para emprestar um dinheirinho, mas, de repente, ela envelhece e faz o filho pensar que ela pode sofrer sim.
     Lá em casa, mamãe nunca foi "rainha do lar". Estava mesmo é para Margaret Thatcher em meio a contas para pagar, bocas para encher, uma criança com deficiência para dar jeito. Logo, quando vi Meryl Streep interpretando a "Dama de Ferro" já cansada, abatida pelo destino irrefutável da idade, quis dar um Oscar pelo conjunto da obra para a minha "santa".
     Tudo é possível na velhice e ser velho é conquista, jamais um demérito para quem sabe aproveitar a existência. É que o tempo vai passando e fico aflito por diversas ocasiões de amor que ainda não vivi com minha mãe -nem a viagem para Poços de Caldas, que ela jura ser de caldas de doces, fizemos.
     Não queria vê-la frágil, por mais bonita que seja a pétala. Não queria vê-la cansada, por mais nobre que seja o vencedor de maratonas. Não queria que jamais a senhora caísse, mãe, por mais que, como você a vida toda disse: "Quem não cai não aprende a se levantar".
* * * * *
     Amanhã, um dia ímpar, 29 de fevereiro, é comemorado o "Dia Mundial das Doenças Raras". Estas enfermidades, a maioria de origem genética, acometem cerca de 8% dos viventes em cerca de 8.000 tipos diferentes de manifestações.
A batalha do povo "raro" e de seus filhos, pais, irmãos e amigos é por diagnósticos médicos mais rápidos e precisos para que assim se evitem efeitos que danem a vida das vítimas de forma mais cabulosa. "Tamojunto".
jairo.marques@grupofolha.com.br
Crônica publicada no jornal Folha de São Paulo em 28/02/12, caderno Cotidiano.


beijos

3 comentários:

Orvalho do céu 28 de fevereiro de 2012 às 19:15  

Olá, querida Macá
Que vc seja sempre essa filha fiel e carinhosa com a sua mamãe!!!
Bjm de paz e esperança

Bel Alves 28 de fevereiro de 2012 às 21:20  

Fiquei emocionada com esse texto e a descrição de sua mami...
Paz e bem

pensandoemfamilia 29 de fevereiro de 2012 às 10:51  

Texto real, cheio de verdades e ternura.
bjs

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