Conto - Um dia qualquer

>> domingo, 12 de junho de 2011


Rodolfo acorda e sem nem saber que horas são, entra no banho.
Enquanto a água morna cai sobre seu corpo esguio de 35 anos, pensa na sua vida.
Até poucas semanas atrás poderia até sentir uma dor no peito de saudade, mas lentamente ela se esvai. A pessoa com quem planejara passar o resto da vida já não faz mais parte dela.
Sofreu? Sim, muito, mas enquanto ele pensava em romantismo, café na cama, flores, músicas que faziam sonhar, passeios de mãos dadas, ela pensava em músicas sertanejas, dançar solto e fazer carreira internacional e pra isso tinha largado tudo aqui, inclusive o namorado, pra fazer um curso de 2 anos no exterior.
Rodolfo até que tentou continuar o romance; apesar das diferenças, gostava muito dela, então depois de um mês que ela tinha ido, viajou ao seu encontro.
Ao vê-la já percebeu que era a última vez que a tinha nos braços como namorada e quando se despediu nem quis olhar para trás.
Saiu do banho, colocou uma roupa confortável e já ia saindo pra tomar o café da manhã quando olhou pela janela. A garoa intermitente parecia uma nuvem de fumaça. Desistiu de sair, preparou um café e resolveu ficar no apartamento.
Abriu a grande caixa que tinha ficado pra ele quando os pais se mudaram da grande casa, onde ele e a irmã passaram a infância, e se mudaram para um apartamento no litoral. Tinham cansado da capital.
A irmã não quis nem olhar para aquele monte de LPs, CDs e o toca discos. Não queria nada jurássico. Ele, ao contrário, adorava ouvir Roberto Carlos que tinha sido o “rei” da sua mãe e os Beatles cantando Yesterday, que tinha sido a canção de seu pai.
Escolheu aleatoriamente um CD e começou a ouvir “Eu sou aquele amante à moda antiga, Do tipo que ainda manda flores; Aquele que no peito ainda abriga, Recordações de seus grandes amores...

Seu rosto entristeceu ao ouvir:
“Hoje senti que é bem melhor
Não haver nada entre nós
Daqui pra frente
Pois você nunca percebeu
Tudo que eu quis lhe dar de meu


E se alegrou ao pensar que iria encontrar um amor só seu, que pensasse como ele, e gostasse das mesmas coisas.

“Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras sou muito romântico”



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Luisa guardou o carro na garagem e subiu para o seu apartamento. Queria tirar logo a roupa que estava toda molhada por causa da chuva. Não era uma chuva forte, era mais uma garoa, mas no trajeto entre a faculdade e o carro ficou ensopada.
Ela não era mais uma garota pra estar numa faculdade, muito pelo contrário. Já tinha terminado a sua havia muito tempo, assim como tinha terminado também seu casamento, e aposentado do trabalho no ano anterior. Enquanto pensava na aposentadoria, resolveu pensar também no que poderia fazer depois e resolveu fazer uma outra faculdade. Escolheu o Direito, e estava agora no último semestre. Achava que assim, caso estranhasse ficar desocupada, teria uma profissão por conta própria.
Não sabia ainda se iria exercê-la. Não gostava da maneira de pensar da maioria de seus colegas. Ela era romântica demais para tantas palavras duras e frias que ouvia.
Seu casamento terminara um pouco também por causa disso. Seu ex-marido era médico, e quando contava casos, era com tamanha frieza que ela, mesmo depois de 20 anos de casada ainda não se acostumara. Quando ele se envolveu com outra médica em um congresso, um caso passageiro como ele confessou quando ela descobriu, Luisa lhe virou as costas sem olhar para trás.
Passou um tempo tentando se acostumar com a nova vida de solteira. Saia com as amigas do trabalho, mas logo cansou. Achava que os homens tinham mudado muito. Ela era uma pessoa educada e gentil, e eles confundiam isso com sinais de liberdade, e o convite pra cama acontecia no primeiro encontro.
Ela que sonhava com lindos passeios de mãos dadas, de receber flores no dia seguinte, de preparar ou ganhar café na cama, ficava decepcionada com os encontros onde nada disso acontecia.
Depois de trocar de roupa, e já desistindo de sair por causa da chuva, resolveu fazer o que mais gostava: ouvir música e logo começou a sonhar.

“Esse amor demais antigo
amor demais amigo
que de tanto amor viveu
que manteve acesa a chama
da verdade de quem ama
antes e depois do amor
e você amada amante
faz da vida um instante
ser demais para nós dois

Era assim que imaginava um romance.

“Você não sabe quanta coisa eu faria
Além do que já fiz
Você não sabe até onde eu chegaria
Pra te fazer feliz” .....

Imaginava a cena: Apaixonados, ele a convidaria para um jantar em sua casa. Ela, passaria o dia pensando na roupa que iria usar – principalmente as íntimas – faria o cabelo, as unhas, demoraria no banho, cremes, perfume, maquiagem, batom e ao chegar lá e colocar o pé para dentro da casa uma música começaria a tocar e ele lentamente a pegaria pelas mãos e começariam a dançar.

“Someday, when i'm awfully low
when the world is cold
i will feel a glow, just thinking of you
and the way you look tonight

oh but your lovely
with your smile so warm
and your cheeks so soft
there is nothing for me, but to love you
just the way you look tonight…”


E na manhã seguinte ouviria junto com ele
Este amor é prá nós
A loucura que trás
Esse sonho de paz
E é bonito demais
Quando a gente se beija
Se ama e se esquece
Da vida lá fora...
Cada parte de nós
Tem a forma ideal
Quando juntas estão
Coincidência total
Do Côncavo e o Convexo
Assim é nosso amor
No sexo......

Ouve mais algumas músicas, percebe que está com fome e se lembra que não teve tempo de comprar nada para o almoço. Liga para uma amiga para almoçarem juntas mas a amiga além de já ter almoçado (também, já eram 14h45 pensa, olhando para o relógio) estava longe. Resolve ir para a cantina que tem na esquina ao lado do prédio.
Cumprimenta os garçons e os chama até pelo nome, pois há muito tempo frequenta o local. Senta-se na mesa que gosta; num canto ao lado da janela e de lá, enquanto espera o prato pedido, fica observando a pequena praça, onde sempre alguns pretendentes a artistas se apresentam em troca de alguns trocados. Hoje é uma estátua humana toda azul, aproveitando o sucesso do filme Avatar.

Rodolfo atende o telefone e diz não ao amigo que queria ir a um barzinho comer alguma coisa e ouvir música sertaneja. Prefere almoçar sozinho e como sempre faz nesses momentos, vai para o restaurante italiano que fica a uma quadra de onde mora. O garçon cumprimenta-o pelo nome, mostra um lugar vago, ele agradece, senta e começa a observar as pessoas, e, de repente seu olhar se fixa num ponto e ele se pergunta:
- E se começar a chover novamente, será que toda essa pintura azul do corpo do Avatar sai facilmente ou ele vai embora antes disso?


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Dois pares de olhos buscando o amor, olhando fixamente para um ponto na multidão.
Vamos torcer para que esses olhares se cruzem, se olhem, se gostem, se amem e........
deixem a vida correr lá fora?


beijos

2 comentários:

Celina Dutra 12 de junho de 2011 às 12:53  

Macá,

Lindo mas imperfeito para os românticos!!!rsrs O jeito é torcer!

Beijo

Roselia Bezerra 12 de junho de 2011 às 14:46  

Olá, querida Macá
Nossa, quanta inspiração, hein???
O amor no ar sugere, certamente!!!
Vou ver os vídeos e o texto com calma ao longo do dia... Bárbaro!!!
Um repertório e tanto...
Bjs festivos

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