Luto - Moacyr Scliar

>> segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Estou muito triste, e como nesse espaço a gente divide, não só as alegrias mas também as tristezas, caso elas apareçam, vou contar a vocês o porque.
Ele era um dos meus escritores preferidos. Pra mim, a segunda-feira sempre começava bem, porque, logo depois do café eu ia direto para o caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, para me deliciar com  suas histórias. Com ele tomei gosto por contos e ontem quando eu soube que tinha partido (bem antes do combinado não?) fiquei muito triste.
Então, presto aqui uma pequena homenagem, reproduzindo o texto publicado em sua última coluna no jornal.
Vou sentir muita saudade, mas, ainda bem que tenho alguns de seus livros para ficar na memória.

Lágrimas e testosterona

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Cada vez que ele queria repreendê-la, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente derretia
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Atenção, mulheres, está demonstrado pela ciência: chorar é golpe baixo. As lágrimas femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiver por perto, deixando o sujeito menos agressivo.

Os cientistas queriam ter certeza de que isso acontece em função de alguma molécula liberada -e não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e deixaram que fossem cheirados pelos homens.

O contato com as lágrimas fez a concentração da testosterona deles cair quase 15%, em certo sentido deixando-os menos machões.
Ciência, 7 de janeiro de 2011

ELE VIVIA FURIOSO com a mulher. Por, achava ele, boas razões. Ela era relaxada com a casa, deixava faltar comida na geladeira, não cuidava bem das crianças, gastava demais. Cada vez, porém, que queria repreendê-la por uma dessas coisas, ela começava a chorar. E aí, pronto: ele simplesmente perdia o ânimo, derretia. Acabava desistindo da briga, o que o deixava furioso: afinal, se ele não chamasse a mulher à razão, quem o faria? Mais que isso, não entendia o seu próprio comportamento. Considerava-se um cara durão, detestava gente chorona.

Por que o pranto da mulher o comovia tanto? E comovia-o à distância, inclusive. Muitas vezes ela se trancava no quarto para chorar sozinha, longe dele. E mesmo assim ele se comovia de uma maneira absurda.

Foi então que leu sobre a relação entre lágrimas de mulher e a testosterona, o hormônio masculino. Foi uma verdadeira revelação. Finalmente tinha uma explicação lógica, científica, sobre o que estava acontecendo. As lágrimas diminuíam a testosterona em seu organismo, privando-o da natural agressividade do sexo masculino, transformando-o num cordeirinho.

Uma ideia lhe ocorreu: e se tomasse injeções de testosterona? Era o que o seu irmão mais velho fazia, mas por carência do hormônio.

Com ele conseguiu duas ampolas do hormônio. Seu plano era muito simples: fazer a injeção, esperar alguns dias para que o nível da substância aumentasse em seu organismo e então chamar a esposa à razão.

Decidido, foi à farmácia e pediu ao encarregado que lhe aplicasse a testosterona, mentindo que depois traria a receita. Enquanto isso era feito, ele, de repente, caiu no choro, um choro tão convulso que o homem se assustou: alguma coisa estava acontecendo?

É que eu tenho medo de injeção, ele disse, entre soluços. Pediu desculpas e saiu precipitadamente. Estava voltando para casa. Para a esposa e suas lágrimas.
MOACYR SCLIAR (1937 - 2011)


Moacyr Scliar, que morreu ontem, à 1h, aos 73 anos, escrevia nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.
É a última coluna do médico e escritor publicada neste espaço.
Este texto, inédito, foi enviado pelo escritor ao jornal no dia 11 de janeiro, antes de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral), no dia 17 do mês passado.

um beijo (hoje, tristonho)

6 comentários:

Astrid Annabelle 28 de fevereiro de 2011 às 10:18  

Macá! Sempre nos entristecemos ao deixarmos de ter a companhia de um amigo. Amigo, pois se lia sempre os contos dele creio que se criou um elo forte.
Lamento de coração...
Gostei do texto publicado.
Que fique em paz!
beijos querida.
Astrid Annabelle

Palavras Vagabundas 28 de fevereiro de 2011 às 10:36  

Maca,
também postei sobre ele ontem a noite. Fiquei sinceramente triste,sempre gostei de sua escrita. Scliar vai deixar saudade.
bjs
Jussara

She 28 de fevereiro de 2011 às 11:13  

Oi minha querida! Bela a sua homenagem, grande perda! Ainda bem que as obras são imortais!
Beijo, beijo! ;)
She

Iram Matias 28 de fevereiro de 2011 às 11:59  

Oi Malu, o texto explica o motivo pela qual vc era apaixonada por essa grande figura. Realmente tocante.
Vc sempre nos surpreendendo com posts maravilhosos.
Obrigada, querida!

UM BEIJO NO CORAÇÃO

Iram Matias 28 de fevereiro de 2011 às 12:36  

Macá,
assim como vivo trocando os nomes das filhas aqui em casa, vejo que também faço isso com as amigas.
Por favor, eu escrevi Malu, mas foi pensando em vc,minha linda. Pode ter certeza.
E isso, é porque só tenho 43 anos. Diz minhas filhas.

Beijos amore

Anônimo 28 de fevereiro de 2011 às 12:57  

Oi Macá!
Também estou triste. Scliar fará muita falta para nós, que apreciamos uma leitura de qualidade. Mas, enfim, c'est la vie.
Com sua licença, aproveito teu post tão bem colocado, para deixar também minha homenagem ao imortal Moacyr Scliar que, sabemos todos, foi requisitado para brilhar em planos superiores.
Bjssssss

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