Não funciona - Antonio Prata

>> sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Vocês, amigas que me acompanham aqui já sabem: eu gosto muuiiitttoo do Antonio Prata, tanto que sempre publico suas crônicas aqui. Por que faço isso?
Primeiro, pra guardar pra mim mesma. Aqui eu sei que no momento que quiser, posso voltar a ler.
Segundo, porque sei que tem muitas pessoas que também gostam dele e não assinam o jornal, daí teriam que procurar na internet (coisa fácil eu sei) mas se já estiver aqui, é um trabalhinho a menos nessa nossa vida tão corrida.
* * * * *
Com o intuito de facilitar um pouco
nossa passagem pela Terra, fiz uma
pequena lista com alguns estorvos

SE os princípios da seleção natural valessem para os objetos criados pelo homem, estariam extintos há muito tempo o chuveiro elétrico, o repelente em espiral e o sachê de ketchup. É curioso: enquanto a natureza, esse monstro acéfalo, paga regiamente seu tributo à perfeição, mandando pro beleléu tudo o que não se adapta (alô, Neandertal!), nós toleramos uma quantidade absurda de inutensílios, como se suas existências fossem incontornáveis feito a morte, os impostos e a trilha sonora do vizinho. Não são! Com o intuito de facilitar um pouquinho nossa tão atribulada passagem pela Terra, fiz uma pequena lista com alguns desses estorvos.
     Sachê de ketchup. A pior realização da humanidade, depois da versão orquestrada de Ilariê. Nas lanchonetes sempre nos dão logo cinco saquinhos, pois sabem que não conseguiremos abrir os quatro primeiros, mesmo que nos atraquemos com unhas e dentes àqueles sarcásticos dizeres: "Rasgue aqui".
     Chuveiro elétrico. A segunda pior realização da humanidade, depois do sachê de ketchup e da versão orquestrada de Ilariê. A água só esquenta de verdade se não abrirmos quase nada a torneira: sob o fiozinho escaldante que escorre da ducha (sic), é como se você estivesse com o cocuruto no Saara, a barriga no Ártico, a bunda na Patagônia e os pés -bem, não se preocupe com os pés, pois após cinco minutos eles terão congelado e perdido toda a sensibilidade.
     Repelente em espiral. Tem um cheiro gostoso, remete-me à infância e é bonito de ver queimando no escuro; mas, enquanto me deleito em meio ao torpor hippie-praiano, pernilongos e borrachudos deleitam-se com meu sangue. Repelente em espiral só repele os mosquitos de si próprio. E olhe lá...
     Rede. Rede é lindo, rede é Brasil, é um objeto maravilhoso - mas não para se deitar. Quando você encontra a posição das pernas, perde a da cabeça, quando ajeita a cabeça, desarruma as pernas... Acho que as redes deveriam ser penduradas abertas na parede, como um quadro, uma peça de tapeçaria.
     Secador de mãos a ar. Funciona muito bem -se você não tiver mais nada a fazer pelo resto da tarde, além de ficar virando as mãos de um lado pro outro, dentro de um banheiro público, só para que o dono do estabelecimento economize R$ 0,05 em folhas de papel. E não me fale em ecologia, pois o secador é elétrico, somos todos adultos e sabemos que a eletricidade não vem da cegonha: por mais limpa que seja, é sempre fruto de alguma sacanagem com o ambiente.
     Embalagens de plástico duro. Estou há uma semana tentando tirar meu mouse novo de uma dessas armaduras plásticas. Ontem, fui comprar uma tesoura e - inferno!- ela vinha com a mesma inviolável carapaça.
     Quando nossa civilização acabar e só restarem ruínas, essas embalagens resistirão, incólumes. Sobre nós, dirão os homens do futuro: "Eram ignorantes, crédulos e autodestrutivos, mas, caramba, que embalagens produziam!".
     A lista das coisas que não funcionam é longa, caro leitor, mas a coluna é curta, de modo que devo parar por aqui. Prometo retomar o assunto noutra oportunidade e abordar uma variação muito importante do tema: as ideias que não funcionam. Adianto aqui algumas delas: pintar a própria casa, camping e relação a três. Até breve.
(Folha de São Paulo, 28/09/11)

antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata

FOLHA.com
Blog 'Crônica e Outras Milongas'
antonioprata.folha.blog.uol.com.br


Vocês leram que ele prometeu continuar a lista, mas nesta semana ele publicou uma outra crônica "Anistia para o tomate seco", e explica porque não continuou a lista.
Vamos ajudá-lo? Acho que todo mundo tem coisas que consideram inúteis no seu dia-a-dia, na sua vida. Me digam e eu vou enviar pra ele, ok?


beijos e bom final de semana
HOW COULD I KNOW

8 comentários:

Celina Dutra 7 de outubro de 2011 às 20:21  

Macá,

Abusando do bom gosto... Antonio Prata e Raul Seixas! Me esbaldei, com risadas e depois reflexão.

Girassóis nos seus dias.
beijos

Gilmara Wolkartt 7 de outubro de 2011 às 22:12  

Ei Macá!
Acho que você está nos ensinando a gostar de Antônio Prata! Adorei ler o texto dele.
Gd beijo

Gina 7 de outubro de 2011 às 22:28  

Rir faz um bem enorme e esse texto é muito verdadeiro, mas a lista, certamente, é muito mais longa do que essa.
Bom final de semana!

She 10 de outubro de 2011 às 18:09  

kkkkkkkkkkkk que delícia! Ai, ai me diverti aqui! Show! Beijo, beijooo!
She

Unknown 10 de outubro de 2011 às 19:03  

Macá.
que gostoso é o seu blog....
perfeito.
e quanto aos inutensílios, hum...
eu odeio o meu chuveiro ou será que é ele que me odeia?
as embalagens de ketchup, aff....
tenho que ir armada com dentes de ferro para abrir aquele "treim"
Realmente o Antonio Prata acertou em cheio, viu.
beijos

Beth/Lilás 11 de outubro de 2011 às 15:06  

Macá!
Eu aprendi a gostar deste escritor aqui com você. Realmente tem invenções que são uns trastes.

Falei de você lá no meu pedaço hoje, confira.

beijos grandes cariocas

Misturação - Ana Karla 22 de outubro de 2011 às 12:17  

Macá, é impressionante o tanto de inutilidade que nos cerca diariamente.
As embalagens estão cada vez mais sofisticadas e assim prejudicam mais nosso ambiente.
Quando vou comprar algo em farmácias, por exemplo, se estiver com bolsa grande, dispenso o saquinho.
Me sinto um pouquinho melhor, uma vez que em muitas outras ocasiões sou mesmo obrigada a levar outras embalagens.
Mas o catchup é fato mesmo.
Raul para sempre. Adorei. Vou compartilhar no FB.
Bom final de semana
Xeros

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