O luxo

>> terça-feira, 20 de setembro de 2011

(imagem google)

"Luxo mesmo deve ser morar em um país onde se possa andar na rua sem olhar em volta com medo de assalto"


MESMO PARA quem já possui casa, carro, casa de praia etc., sempre existirão objetos de desejo.
     Supondo que você seja uma pessoa normal, sem grandes ambições de quadros valiosos e joias inacreditáveis, quais são as coisas que despertam em você aquela vontade louca de ter e aquele prazer imenso quando consegue? Nesses tempos tão modernos, é difícil saber.
     Houve uma época em que as coisas mais banais eram uma festa; uma barra de Toblerone comprada no free-shop enchia de alegria os corações infantis -e os adultos também. Ganhar de presente uma camiseta da Banana Republic ou um cinto da Gap era o suprassumo do prazer, e fazer uma viagem, uma emoção indescritível.
     Tudo era raro, e por isso tão especial. Mas agora os Toblerones são vendidos nos sinais de trânsito, e as camisetas importadas, nos camelôs. Teoricamente é ótimo: não é mais preciso viajar para ter um pote de mostarda Dijon na geladeira -lembra a festa que foi quando o salmão defumado virou o frango da classe média alta? Ótimo é, mas a graça mesmo, essa acabou.

     Em qualquer lugar do mundo você come exatamente as mesmas coisas e pode comprar a mesma bolsa no Rio, em São Paulo, em Nova York, em Tóquio ou Cingapura, todas rigorosamente iguais; as grifes se banalizaram, o que foi lançado na semana passada em Londres já chegou aqui, e para ter acesso às coisas é apenas uma questão de conta bancária.
     Mas apesar de quase tudo ser franqueado, ainda existem coisas especiais, únicas, às quais podemos ter acesso; é só procurar, sem ir atrás das modas.
      De um pequeno restaurante que não faz parte de nenhum guia gastronômico a uma artesã de uma pequena cidade no interior de Pernambuco que faz lenços bordados de puro algodão, sem um só fio sintético, com suas iniciais bordadas; esse restaurante nunca vai ter filiais, e essa bordadeira nunca vai vender suas peças para nenhuma cadeia de lojas.
     Existem coisas bem além da vã filosofia dos consumidores compulsivos, ávidos para comprar o que foi decretado que é moda.
     A banalização deveria ser crime previsto no Código Penal, mas quando surge um restaurante incrível em qualquer lugar do mundo, na semana seguinte caravanas estão se organizando para ir conhecê-lo, só porque ouviram falar.
     Nem todos conhecem os endereços onde se encontram coisas que nunca serão popularizadas, mas todos podemos exercer nossa capacidade de sair da mesmice, do comum e da vulgaridade que impera no mundo atual.
     No lugar de fazer como todo mundo, pesquise, procure e ache um cinto único, uma camiseta única, um restaurante modesto, no fim de um beco, onde vai comer a melhor comida do mundo e que não está em nenhum guia da moda.
     Esses achados -que não são necessariamente caros- são preciosos, porque foi você quem procurou, encontrou, são únicos e só você tem; isso é que eu acho que é o verdadeiro luxo. Achava, aliás.
     Hoje eu penso que luxo, luxo mesmo, deve ser morar em um país onde se possa andar na rua sem olhar em volta com medo de ser assaltado, em que se abram os jornais durante uma semana, só uma, sem ler sobre malfeitos, palavra que virou sinônimo de corrupção, escândalo, roubalheira.
     Deve ser mesmo muito bom.
PS - É hora de pensar, mais uma vez, na inesquecível pergunta de Eliane Cantanhêde em artigo aqui na Folha: "Afinal, o que é que a baiana e o Sarney têm?"

(crônica publicada na Folha de São Paulo em 18/09/11, caderno Cotidiano)

beijos

9 comentários:

chica 20 de setembro de 2011 às 17:05  

Concordo!!! Aqui nem isso temos direito!!! Em P.Alegre é demais .Andar à pé, um perigo. Estacionar, ir à shopings, isso de dia.Imagina à noite! PENA! beijos,chica

Celina Dutra 20 de setembro de 2011 às 17:52  

Concordo com o cronista que luxo, luxo é morar em lugar onde há liberdade de ir, vir, estar em casa sem medo de assalto e onde não existam notícias diárias de corrupção.

Girassóis e beijos pra vc, Macá.

Beth/Lilás 20 de setembro de 2011 às 18:37  

MeoDeos, isso tem tudo a ver com o que penso!
Adoro descobrir coisas que valem a pena, não pelo que significa para muitos, mas para mim principalmente.
E luxo é isto, uma vida tranquila onde podemos desfrutar dos bens que adquirimos com nosso esforço.
beijos cariocas e inté, amiga!

Penélope 20 de setembro de 2011 às 18:48  

E como é um LUXO.
Enquanto muitos querem uma luxuosidade diferente, outros só querem ter o direito de ir e vir em PAZ.
O MEDO consome muito de nós.
Abraços

Roselia Bezerra 20 de setembro de 2011 às 19:01  

Olá, querida
"A banalização deveria ser crime previsto no Código Penal"...
Gostei muito disso!!!
Ótimo post!!!
Bjm de paz

Socorro Melo 21 de setembro de 2011 às 11:29  

Oi, Macá!

Adorei a crônica. Sou avessa a modismos, a banalizações, e por isso concordo, que o que é diferente, é mais luxuoso, sim.


Um abraço, amiga
Socorro Melo

Iram Matias 22 de setembro de 2011 às 12:57  

Luxo é voltar pra casa tarde sem medo de ser assaltado, é ter transporte público nas noites dos fins de semana para que vc não seja obrigada a buscar os filhos das festas,é ter escolas públicas tão boas quantas as particulares,é ver seus filhos falando duas, três linguas sem ter que pagar extra pra isso, é não ter aquela lista imensa e cara de material escolar, enfim... eu poderia ficar aqui hrs listando o que é luxo, mas só dizer que luxo é poder ver o retorno do imposto que vc paga já diz tudo.
Que bom seria se todos pudessem gozar disso.Vc tem razão amiga, eu realmente não posso reclamar da vida.

Beijo,

Valéria 22 de setembro de 2011 às 22:57  

Oi Macá!
Muito oportuno seu texto!
Os luxos que precisamos dispensar a nós mesmos são àqueles que correspondem as nossas necessidades e nos trazem prazer, não necessariamente que seja eleito pela maioria. Viver com qualidade é um luxo!
Beijos!

Rosely Archela 30 de setembro de 2011 às 17:16  

Olá! vim conhecer seu blog! Gostei das matérias que apresenta! beijos, Ro

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