O que é uma casa?
>> terça-feira, 31 de agosto de 2010
Há um tempo atrás meu filho criou um grupo na internet para todas as pessoas da família do pai (meu marido) poderem conversar mais, já que alguns moram fora e mesmo para os que moram aqui, pois não é fácil se encontrar sempre como gostaríamos.
Num dia da semana passada à noite, abro meu computador e lá está o e-mail abaixo.
Explico: no mesmo dia meu marido saiu e quando voltou estava em lágrimas. Eu já imaginava o motivo: ele tinha ido entregar as chaves da casa que pertenceu aos seus pais falecidos há uns 3 anos ao novo proprietário. Eu aguardava a sua volta e já imaginava que ele chegaria assim.
Quando foi à noite, ele estava no computador dele e eu percebi seus olhos cheios de lágrimas. Depois ele se levantou, foi até a cozinha e eu fui atrás e perguntei o que tinha acontecido.
Ele me falou para eu entrar no meu e-mail que saberia.
E foi essa emocionante declaração de Saudade o que eu li.
Achei tão bonita, tão sincera, tão tocante que resolvi guardar, mas também dividir.
"O que é uma casa? Um monte de cimento, tijolos, ferro e madeira amontoados de forma ordenada, acho. Segundo o Houaiss, que sabia definir as coisas muito melhor do que eu consigo, é um "edifício de formatos e tamanhos variados, geralmente de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação".
E é isso. É só isso mesmo, nem mais, nem menos.
Não há necessidade de móveis, nem tapetes, nem fogão, nem geladeira. Essas coisas não constituem uma casa. Aliás nem pessoas são necessárias para definir uma casa, afinal ela é só um edifício de formatos e tamanhos variados, etc, etc.etc.
Mas peraí.... o que é que eu estou vendo aqui nesta casa? Ela está vazia. Completamente vazia. Vazia como nunca esteve. E mesmo assim eu estou vendo um monte de coisas aqui dentro....muito mais coisas do que cimento, tijolo, ferro, madeira.
Estou vendo minha mãe ali na porta falando "Oba!" pra qualquer filho que chegasse. Subo as escadas e vejo os quartos onde tantas vezes deixei meus filhos pra dormir com a vó. Não me lembro de uma única vez que ela tenha dito para eles não ficarem, nem me lembro de uma única vez de eles não quererem ir.
Vou até a cozinha e agora estou sentindo o cheiro do café que acabou de ser feito e colocado em uma garrafa térmica prateada, do tamanho de um extintor de incêndio; o gosto da maria-mole feita no pirex; da carne-assada feita no domingo; do sanduichão, do arroz empapado. Estou sentindo o gosto do dia das mães, do dia dos pais, da "feijoada do vô", dos aniversários.
Volto pra sala e dou de cara com quê? Uma coluna. No meio da sala. A coluna mais sem sentido em toda a história da arquitetura. Ao lado da coluna, um lavabo sem janela, construído embaixo de uma escada. Nem o mais renomado dos arquitetos formados na Sorbonne sabia desse colega que morava na Vila Mariana e projetava colunas e lavabos no meio de salas.
Lá em cima estão dormindo todos os netos, amontoados. O natal está chegando e todos se mudam pra lá nessa semana para dormir com as primas que vieram do Rio. Com certeza devem ter ido dormir de madrugada, depois de jogar muito sete-e-meio, apostando com um saco de moedas velhas e só depois de terem comido um imbróglio feito pelo meu pai, misturando na frigideira tudo que tivesse na geladeira.
Começa um conversê...
Ouço o Fernando reclamar ao meu pai que a Mônica fora entregue faltando um pivô. Ouço meu pai falando de mais um negócio mirabolante que ele estava matutando. Ouço minha mãe colocando panos quentes em qualquer ameaça de desavença. Ouço a Jussara, conversando com minha mãe, a Jurema e a Mônica na mesa do café na copa. Provavelmente estão falando do mesmo assunto a horas, contando e repetindo as mesmas histórias, mas ninguém se cansa. A família é assim...
Mas acima de tudo, o que mais ouço são risadas. Muitas risadas. Risadas altas, longas. Risadas gostosas.
Espera aí, não houve momentos tristes? Puxa, devem ter havido, mas sinceramente não lembro. Tenho certeza que ao fim e ao cabo de tudo, só nos lembraremos mesmo é dos momento bons. São eles que estão vivos agora nas lembranças que tenho desse monte de cimento, tijolos, ferro e madeira que acabo de entregar ao novo proprietário. Acho que ele nem sequer desconfia, mas junto com o "edifício de formatos e tamanhos variados, geralmente de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação", ele está levando meu passado, minhas lembranças, um bom pedaço da minha vida.
Quanto ele pagou? Sei lá, mas foi barato.
beijos
Julio (aos prantos)"
Não vou colocar aqui as respostas dos irmãos e dos primos, mas posso dizer que são todas emocionantes.
um beijo
(fotos tiradas do Google)